Ele foi muitos em um só: um fanático por soul, funk – do verdadeiro, é sempre bom lembrar! – e rock que mudou completamente a cara da música brasileira em geral; um trapaceiro que não pensava duas vezes na hora de se dar bem em cima das pessoas que o rodeavam; um sujeito dotado de uma inteligência acima da média para certas coisas e de uma burrice atroz para outras; um verdadeiro “sacerdote do politicamente incorreto” quando o termo sequer existia; engraçadíssimo e furioso em momentos certos e errados; um malandro típico dos subúrbios cariocas; um cara repleto de vícios e manias; um gigante de corpo com a alma carente de uma criança abandonada; uma voz reconhecida até mesmo nos mais longínquos confins da galáxia. Tudo isso foi Tim Maia. E muito mais…
Poucas pessoas foram tão exuberantemente musicais como ele. Talvez só Hermeto Pascoal seja um concorrente à altura abaixo da linha do Equador. E justamente tal qualidade o levou a se transformar em uma das figuras mais emblemáticas da história da música brasileira, a ponto de ter influenciado de maneiras até então inimagináveis artistas que aparentemente nada tinham a ver com ele, como o próprio Roberto Carlos, a quem ele havia sacaneado anos antes quando eram jovens integrantes de um grupinho chamado Sputniks. Dê uma ouvida em canções como “Não Vou Ficar” e outras que foram incluídas no disco Roberto Carlos (1969) – é, aquele cuja capa traz o Rei da Jovem Guarda sentado na praia – e perceba como Tim, mesmo sem querer, fez a cabeça do cara.
Tim fez discos geniais – a série de álbuns que gravou entre 1970 e 1978 é quase irrepreensível – e outros que são verdadeiras porcarias, como quase tudo que ele lançou a partir da segunda metade dos anos 80. Mesmo nesses discos pavorosos é possível pinçar dois ou três momentos do brilho de outrora. Até mesmo quando esteve doido de pedra – lembra de sua “fase mística”, quando ingressou em uma seita maluca chamada “Cultura Racional”? –, Tim foi capaz de lançar discos brilhantes em termos de arranjos, os famosos “Racionais 1 e 2”.
Além disso, Tim foi o primeiro cara a peitar as gravadoras multinacionais e os escritórios de arrecadação de direitos autorais, chegando ao ponto de não apenas montar a sua própria gravadora – a Vitória Régia Discos – como também criou a sua própria editora, a Seroma, se tornando então o primeiro artista genuinamente independente do Brasil. Uma atitude que, anos mais tarde, influenciou grande parte da classe artística a fazer o mesmo.
Hoje é segunda-feira, um bom dia para você ouvir os discos que ele fez e ler/reler Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, escrito de modo delicioso por Nelson Motta. Você vai tomar contato com os muitos sujeitos que descrevi no início deste texto. E todos eles moravam dentro daquele imenso corpo que se chamava Sebastião Rodrigues Maia.
Tim foi um dos mais inovadores e contundentes artistas brasileiros, na minha opinião. Realmente, os discos dos anos 70 são pérolas e a biografia do Nelson Motta é ótima (pena que gerou um filme horrível).
Ótimo texto, abraço Régis.
Boa síntese do velho Tim.
“Poucas pessoas foram tão exuberantemente musicais como ele. Talvez só Hermeto Pascoal seja um concorrente à altura abaixo da linha do Equador.” – Concordo em número, gênero e grau. A imensidão artística desse sujeito é algo espantoso (no bom sentido).
Esse Racional é belo demais em termos de som! Mas a capa e as letras são pura vergonha alheia mesmo…