Para encerrar a nossa semana dedicada ao lendário guitarrista, nada melhor que indicar um belo álbum em que ele buscou se divertir depois que resolveu levar a sério um dos passos do programa de desintoxicação dos Alcoólicos Anônimos: procurar as pessoas que sacaneou no passado e reconciliar-se com as mesmas.
A sorte é que Clapton fez isso também de um modo musical de altíssima qualidade com algumas delas. Se isso deu bem certo por um lado – vide os shows que fez ao lado de Steve Winwood, que rendeu em 2009 um CD/DVD fantástico, Live From Madison Square Garden, e em 2066 o bom disco que gravou com J.J. Cale, The Road to Escondido –, ele não foi capaz de fazer com que o baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker esquecessem completamente as rusgas do passado e se tornassem amigos novamente, o que impediu uma turnê da volta do Cream, que acabou restrita a três shows em Londres.
Feito tudo isso, Clapton chegou à conclusão que queria mesmo se divertir. Isso está muito claro quando você e seus filhos ouvem Old Sock, o álbum de 2013 em que resolveu resgatar algumas de suas canções favoritas ouvidas ao longo de sua atribulada vida.
O curioso é que Clapton disse que a ideia do álbum veio depois de uma conversa que teve com David Bowie e de ter certamente ouvido o lindo disco que Paul McCartney gravou no ano anterior, Kisses on the Bottom, no qual o ex-Beatle resgatou algumas das mais belas canções que ouviu na infância. E não é que Clapton resolveu fazer o mesmo, só que estendendo o período para o restante de sua vida?
Bem, do Bowie ele também certamente seguiu o conceito “disco com capa qualquer nota”. Tanto que botou em Old Sock uma foto que ele tirou de si mesmo com o seu iPhone enquanto estava de férias em uma praia em Antiqua. Mais tosco e despojado, impossível.
Assim, no disco estão apenas duas novas composições. “Gotta Get Over” é um daqueles rocks sacolejantes e bem vindos, ainda mais porque rola a participação especial da extraordinária cantora Chaka Khan, que ainda está com o gogó em dia. Já “Every Little Thing” tem lá seus bons momentos apesar da pieguice, que se estende da letra até o coral infantil mais brega que sapato verde-limão, formado pelas três filhas do guitarrista. No mais, é só repertório alheio da melhor qualidade.
As lembranças da infância surgem com o resgate de belíssimas canções de folk e country, como “Our Love is Here to Stay” (dos irmãos George e Ira Gershwin), “Born to Lose” (de Ted Daffan), “The Folks Who Live on the Hill” (de Oscar Hammerstein e Jerome Kern) e as divertidas “All of Me” (de Gerald Marks e Seymour Simons) e “Goodnight Irene” (de Huddie Ledbetter e John Lomax), a primeira trazendo o próprio McCartney no contrabaixo acústico.
Outra característica interessante é que Clapton botou alguns dos autores de certas canções do disco para gravar junto com ele. É assim em “Further on Down the Road”, de Taj Mahal, que traz a participação do próprio autor e é um daqueles reggaes deliciosos que Clapton aprendeu a fazer muito bem desde que botou “I Shot the Sheriff” de Bob Marley nas paradas na primeira metade dos anos 70 – ele volta ao gênero também no bom resgate de “Till Your Well Runs Dry”, de Peter Tosh. A mesma postura foi empregada na doce “Angel”, que traz J.J. Cale dividindo guitarras e vocais com Clapton, que praticamente sussurra candidamente a letra da canção para torná-la tão delicada quanto os lindos solos que fez.
Melhor ainda são dois momentos sublimes. O primeiro é a versão “blues dor de cotovelo em boteco esfumaçado” de “Still Got the Blues”, a antológica canção do falecido guitarrista irlandês Gary Moore, que traz o certeiro e conciso órgão Hammond de Steve Winwood, um arranjo de cordas de chorar, solo de guitarra e violão simplesmente matadores e uma interpretação que faria Adolf Hitler chorar jorrando lágrimas de mangueira aberta. O outro é “Your One and Only Man”, de Otis Redding, que Clapton teve a manha de transformar em um reggae tão ensolarado que faz o UB40 soar como o Bauhaus.
No final, o interessante é notar que Old Sock é um disco que serve como excelente trilha sonora para quem está de bem com a vida. E isso vale tanto para você quanto para o próprio Clapton. Sei que nos dias de hoje é quase impossível ter esse tipo de sentimento, mas não custa tentar…
Mais um texto maravilhoso… me sinto de bem com a vida toda vez que leio tuas “mal traçadas linhas”, Régis.
Grande abraço!
Obrigado.
Olá, Régis. Espero que esteja bem. Eric Clapton me estimulou a aprender violão e guitarra .Gostaria de saber, se for possível, quem lhe estimulou à aprender tocar bateria ? Abraços !!!
Estou bem, Eduardo. Ouvir caras como Bill Ward , John Bonham, Cozy Powell e Ian Paice foi o principal estímulo que tive…
Que legal !!! Ótimos músicos !!! Grande abraço pra você !!!
Com todo respeito ao Clapton, mas eu não gostei dessa versão de “Still Got The Blues”…a guitarra ficou apagada demais.
Concordo.